segunda-feira, 29 de julho de 2013

Crise dos nossos tempos

Numa observação a esta sociedade e realidade triste, mas actual, deparo-me com uma imagem distorcida de tudo aquilo que muito antes me tinha atrevido a imaginar e sonhar, talvez por ser uma criança e na altura os sonhos não tinham limites. Mas hoje a própria ideologia de sociedade parece-me bastante adulterada dos parâmetros em que foi estabelecida. Não digo com isto que nos tenhamos tornado uns egoístas e oportunistas, de que em outros tempos tivemos fraternidade e hoje se destaca o egoísmo, e com isso surgiu o não ter tempo, disponibilidade ou interesse em ajudar.
Felizmente não são raros os casos de humildes voluntários que se preocupam com aqueles que a triste trajectória da vida os levou por caminhos nada esperados, e que em tal dificuldade se encontram que até o simples acto de colocar comida na mesa para os filhos, depois de um dia de escola, se tornou um pesadelo; pessoas que mesmo contando com as suas próprias dificuldades se sensibilizam e dão a mão ao próximo, não olhando a recompensas, apenas pelo seu enriquecimento pessoal.
Mais exemplos destes poderão aparecer, mas espero que não se deixem desmotivar por situações de injustiças que se encontram pela rua, de algumas classes que recebem sem merecer e desperdiçam por não precisar.


in Jornal O Almeirinense, nº 1042, 01 de Abril de 2013

Apeadeiro



Perco-me neste apeadeiro, acompanhado de tantos outros como eu, calados.
Ansiosos por aquele que vai chegar, seja o que nos leva, seja o que nos trás.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Desfile



Vejo um coelho, um pouco mais ao fundo está a passar um carro. Entre eles está um velho, um pastor pelo cajado em que aparenta apoiar-se. A passar mais perto está um comboio seguido de um cavalo. As ovelhas, que até são bastantes, em número que não me é fácil de contar estão espalhadas por lá, estranhei a indiferença do pastor, bastante longe da maioria. Ou talvez fosse apenas um velho. O carro já passou pelo comboio e o coelho parece que fugiu. O cavalo aproxima-se de uma casa. Olho para o lado e vejo um barco, pequeno, a flutuar no azul. Será o pastor afinal um pescador ou confirma-se a ideia de um velho que por ali apenas se passeia? O cavalo já deve ter entrado na casa, deve ser um estábulo. Aparece uma vaca por entre as ovelhas, indiferente aos outros ruminantes, tal como o contrário. Do estábulo corre um cão em direcção ao comboio que passa pelo velho, este já a bordo do barco deixou para trás o cajado. O carro parou junto a uma árvore, parece-me uma pequena oliveira, se não me engano. Volto a ver o coelho. Pareceu-me que fosse o mesmo, mas as manchas escuras no pêlo destacam a diferença do primeiro. Algumas ovelhas já se foram embora e o velho no barco apanhou o comboio. Um carro dos bombeiros está onde antes vi a vaca, do animal nem sinal. O cão subiu para a oliveira e o coelho agarrou no cajado esquecido. Alguns dos que antes vi já foram, seguiram na sua marcha lenta. Mas mais aparecem, outros, diferentes. Um espectáculo contínuo de inúmeras personagens, num desfile perante mim. E eu aqui, deitado numa confortável cama de relva a olhar o céu, assisto.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Mascaras



Mascaras que uso, todas diferentes mas nem todas iguais, apenas algo em comum entre elas, quem as usa. Ou o que as usa. O quê ou quem porque assim o é, hoje diferente do que não vai ser ontem ou o que pode ter sido amanhã. Quem tu és não me interessa, desvalorizo tal conhecimento com um escárnio alimentado pelo desconhecido. Esse sou eu, esse era quem queria saber o que é. As mascaras não me deixa ver, mostram-me reflexos nos fragmentos que espelham a minha vida numa pilha de cacos de momentos diferentes e confusos.
Coloco outra mascara, agora já não me interessa, não quero saber, estou-me completamente a borrifar para isto, para mim, para questões.
Outra mascara e fico triste por assim o ser. Porquê?
Outra, e sou feliz, apenas porque sou.
E cria-se a confusão de sentimentos, nunca sei como estou ou até porque penso, ou não. Não chego a conclusões, e essas quando a mim chegam parecem-me erradas, noutros dias certas, mas nunca esclarecedoras, satisfatórias.
Decido avançar, pelo menos agora o quero, e vou, deixo para trás o que mais importa de ser esquecido. Mas não me lembro. Sei que assim pensei, e desta sigo, para lá, onde não sei, se será por aqui ou por acolá mas vou.
Mas sem elas, as mascaras, não sei quem ou o que vou ser.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

O menino que foi ver o mar



Sentado a um canto do seu quintal aproveitava a sombra da casa vizinha que por ali se fazia passear naquelas horas de mais calor, ouviu as dobradiças do velho portão, um já conhecido gritinho que o faziam preparar para receber as visitas. Os leves passinhos em timbre de corrida rapidamente fizeram-no perceber quem lá vinha, e ao dobrar o canto da casa com uma alegria contagiante

- Vamos ver o mar, avô

num quase cântico entre pulos, de inocente sorriso motivados pela anunciada viagem o menino voou para os braços do velho que, de um também enorme sorriso por entre as rugas, prontamente aceitou o convite. Não tinha como negar, apesar da sua cada vez mais vagarosa vida, perder a oportunidade de abdicar da sua calma e sossego pelo neto era o que mais lhe agradava. E desta vez iriam ver o mar.

O menino perdia-se pelas dunas douradas, corria e assustava gaivotas, sorria e brincava, fugia das ondas e esbanjava toda a sua satisfação pelo areal.

Mas perto de onde o mar vai e vem e onde deixa a sedosa areia molhada encontrava-se o velho imóvel, capturava o máximo de sensações que aquele momento lhe concedia. O sol no seu enrugado rosto que de sombras já não queria saber; o vento que fazia ondular os finos cabelos grisalhos como as hipnotizantes ondas que os seus agora brilhantes olhos contemplavam; o cheiro do mar que lhe apagava da memória as terríveis doenças de inverno; a sensação sem igual que sentia por todo o corpo, provocada a cada onda que acabava nos seus pés; queria guardar em si tudo, não esquecer, não perder nada.

O menino dormia na sombra do colorido chapéu-de-sol enquanto o velho ainda se mantinha no mesmo local. Não teve necessidade de correr ou saltar, decidiu aproveitar o mar assim, sereno e calmo como a sua vida o habituou a estar, porque aquele dia de novidades poderia não voltar a repetir-se.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Vamos?



Mas então, vamos? Sim, vamos. Então vá. É agora, é agora. Deixa-te disso, se é para ir é agora. Ok, ok, vamos já. Mas tu não queres ir? Quero, mas claro que quero. Olha que não parece! Só um segundo. Minutos. O quê? Minutos! Minutos o quê? Que já passaram e tu não te decides! Vá lá, tem calma. Muita estou eu a ter, e a mais estás a ter tu, que não te despachas. Caramba, que pressa! Sabes que não me gosto de atrasar, e muito menos de adiar compromissos. Mas não é por cinco minutos que se vai perder e deixar de ver aquilo. Já estou à tua espera há mais de meia hora, sabias bem a que horas se combinou para ir. Pronto, pronto, praticamente despachado. Sim, estou a ver! Que má disposição! Tu já me conheces. Então? Então o quê? Vamos? Mas já estás despachado? Claro que sim, há uns minutos! Mas, porque não disseste? Porque gosto de conversar contigo, e qualquer assunto é bom, dado que não temos muito tempo para conversar, só os dois. Tu gostas é de me irritar! Conversar, mas vamos? Não. Não? Não, agora já não quero ir.